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segunda-feira, 29 de junho de 2020





A RELIGIÃO DE UMBANDA E SUA AFIRMAÇÃO

Podemos inferir, de tudo o que já foi dito, que estamos em pleno período de afirmação doutrinária da Umbanda.  Uma fase como essa não pode se restringir a negar conceitos.  Sabemos que na primeira fase, a de expansão, as grandes discussões da Umbanda se prendiam à sua origem (Vedas, Atlantes, Sumérios, etc.) ou da origem do próprio vocábulo (védico, sânscrito, celta etc.); essas buscas tinham o sentido de afirmar a Umbanda não como uma religião brasileira, mas, sim, como uma religião antiga, que voltava até nós, e por esse fato mais confiável. Hoje sabemos que esta discussão já se tornou ociosa, já não tem mais sentido, pois cada vertente de nossa Religião, já determinou em que acreditar. Devemos ressaltar que, mesmo aquelas vertentes que buscam resquícios de nossa Religião em épocas antigas, no passado milenar, hoje já têm como certo que o atual momento se iniciou com o seu anúncio pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. Assim, o período de afirmação doutrinária iniciou-se a partir do momento em que a evidência, de que era irrefutável que a origem brasileira da Umbanda. Por isso, como dissemos, mesmo aqueles que buscam na antiguidade a origem da Umbanda, já aceitam que a nossa religião realmente teve um renascimento no Brasil.  

A base filosófico-religiosa da Umbanda é, sem nenhuma dúvida, aquela pregada por Cristo, mesmo aqueles que acreditam no seu aparecimento na antiguidade, não podem negar essa afirmação, já que além de ser anunciada em uma mesa kardecista, portanto estudiosa do Evangelho, foi anunciada por um Caboclo que se identificou como um jesuíta em uma encarnação passada. Além disso, o Caboclo das Sete Encruzilhadas afirmou que esse movimento se iniciou no plano astral sob a orientação de Santo Agostinho. Essa fala encontra-se gravada e foi distribuída por Mãe Maria de Omolu, da Casa Branca de Oxalá, a todos que solicitaram, juntamente com muitas outras falas do Chefe – como é chamado o Caboclo na Tenda N. Sra. da Piedade.

Esses ensinamentos de Jesus Cristo, esposados pela Umbanda, ultrapassam vinte séculos como a maior força timoneira da humanidade na caminhada espiritual. Na verdade, antes de Jesus, entre os séculos V e II a.C. vários líderes religiosos essênios já apresentavam as bases daquilo que posteriormente veio a configurar a religião cristã. Dentre eles, figura o então chamado Mestre da Retidão, líder essênio, cujas orientações religiosas já adiantavam quase tudo o que Jesus viria a dizer. 

Se isso é verdade, porque razão Cristo foi quem marcou nosso mundo? Exatamente por sua missão Crística. E esta missão foi tão forte, tão inconteste, que a filosofia pregada por Cristo, do amor entre todos e de nossa filiação direta a Deus, além de marcar uma Era, marcou o calendário e se espalhou por todos os cantos do mundo.  Do extremo oriente ao ocidente, Cristo é hoje reconhecido como aquele que veio trazer a mensagem do Pai. Assim, a Umbanda não deve temer assumir Jesus Cristo como seu maior orientador.  Na verdade, Ele não é propriedade de nenhuma religião. Se buscarmos em alguns pensadores cristãos suas bases filosófico-religiosas veremos o quanto elas são compatíveis com a Umbanda, inclusive no que concerne à definição dada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, ou seja, “A manifestação do Espírito para a caridade”. Ao analisarmos com cuidado esses escritores, religiosos ou laicos, veremos ainda o quanto foi deturpada a mensagem que foi trazida por Jesus, por algumas Igrejas que hoje se apresentam como exclusivas representantes de Cristo. 

A esse argumento, somam-se outros de caráter filosófico e histórico.  O Caboclo das Sete Encruzilhadas sempre afirmou a presença na Umbanda da filosofia cristã; sempre se utilizou do Evangelho como apoio de suas pregações; enquanto o seu médium esteve vivo manteve a Umbanda dentro de seus princípios incruentos. No entanto, tal como todas as religiões que não possuem um líder máximo, a Umbanda esteve sempre sujeita a um processo de corrupção de sua doutrina e de seus rituais por pessoas mal-intencionadas. No entanto, isso não é exclusividade da nossa religião. Vemos isso também em várias religiões como o Kardecismo, o Candomblé e muitas Igrejas Neopentecostais, porque o que realmente acontece é a assunção ao posto de líderes, Sacerdotes, Pais de Terreiro e de Santo, Presidentes, Pastores, etc. de pessoas cujo único interesse é tirar vantagem daqueles que incautamente caem em sua conversa. Neste período de afirmação doutrinária, deveremos nos preocupar com pelo menos com três linhas de pensamento e atuação.

A primeira, é a afirmação dos princípios cristãos da Umbanda; a segunda, é um processo de afirmação do seu rito, depurado de todos atos que, por uma mistura indesejada, vieram descaracterizar a Umbanda; a terceira é a criação, naquelas Casas da verdadeira Umbanda, que ainda não o possuam, de um ritual de formação sacerdotal, visando ordenar sacerdotes que se comprometam com as duas primeiras vertentes. Aquelas Casas que tenham já o seu ritual, deverão mantê-lo e, se possível, aprimorá-lo, no sentido de formar sacerdotes que, além da espiritualidade e da religiosidade, se aperfeiçoem intelectualmente e que se comprometam com essas três linhas de afirmação doutrinária.

No tocante à primeira – afirmação dos princípios cristãos da Umbanda – devemos executar um trabalho de avaliação dos inúmeros livros com base na filosofia cristã para que, após um acurado estudo, assentarmos[1]as bases cristãs da Umbanda. É claro que outras doutrinas religiosas, construtivas, podem ser também aceitas, mas sempre dentro daqueles parâmetros cristãos, ou seja o amor e a caridade. Aproveito para deixar aqui, alguns princípios que deverão ser revistos na Umbanda.  Não se pode aceitar as interpretações que foram feitas do Evangelho de Cristo que conduzem seus ensinamentos a:

- Um Deus vingativo e punitivo;
- Inexistência da comunicação com as almas;
- O carma como punição divina;
- Inexistência da reencarnação.

Além disso, temos alguns princípios, verdadeiros dogmas, para que sejam melhor compreendidos pelos praticantes umbandistas:

- A autodeterminação: existência de “dois momentos” de livre arbítrio, um no preparo da nova encarnação e outro quando já encarnado, onde, no primeiro momento, o ser humano faz opções fundamentais a respeito de sua nova existência na terra e no segundo, quando já encarnado, seguir ou não o caminho previsto;

- Nós, como nossos próprios juízes, após nossa morte física: não devemos colocar na mão de qualquer divindade ou espíritos o nosso julgamento após a morte. Nós mesmos faremos isso. Quando já desencarnados e com a visão de todas as nossas existências, inclusive a que acabamos de deixar, faremos um balanço de tudo que fizemos, daquilo que conseguimos melhorar e de tudo o mais que ainda necessitamos de evoluir.

- A existência de um caminho de evolução para cada ser humano: a compreensão de que nosso espírito é portador de uma centelha divina que vai se iluminando, tal qual um diamante que vai sendo lapidado até se tornar um brilhante;

Esses três princípios, quando perfeitamente compreendidos pelos filhos de Umbanda, servirão de base a programação de suas próximas vidas encarnados.

Se nesses princípios se baseia a nossa programação de encarnações futuras, eles significam também que haverá um aperfeiçoamento permanente do espírito até chegar a um plano de desenvolvimento tal que não necessitará mais reencarnar-se na Terra.

- "Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo" como os mandamentos que definem a Umbanda; estes mandamentos representam a base cristã da Umbanda. Como definiu o Caboclo das Sete Encruzilhadas, a Umbanda é a manifestação dos espíritos para a caridade e somente seguindo esses dois mandamentos, definidos por Cristo como os maiores e mais importantes de todos, é que estaremos cumprindo nossa missão na Umbanda e em nossas vidas. Lembremos uma definição de Chico Xavier, quando lhe perguntaram o que era a caridade. Ele a definiu de modo muito simples: é o amor em ação.

Estas e outras questões devem ser buscadas tanto nos livros já existentes como, se nos for consentido, através de comunicações do Astral. Sabemos o quanto foi deturpada a pregação do Cristo; sabemos também o quanto o poder temporal superou a pregação da doutrina que nos foi trazida por Cristo, quando da formação da Igreja Católica; sabemos quantas “reformas” foram feitas nos Evangelhos em nome do fortalecimento desta mesma Igreja. Sabemos também o quanto o Evangelho segundo o Espiritismo traz no seu bojo a influência da comunicação de Almas que tiveram sua formação dentro do catolicismo. Por isso, pode parecer difícil esse processo de separação daquilo que foi verdadeiramente trazido por Cristo e aquilo que foi inserido em função de interesses da Igreja ou de seus codificadores. No entanto, já existem estudos feitos ao longo desses vinte séculos que permitem, enfim, fazer a separação do joio e do trigo, em grande parte das escrituras cristãs. Existem versões feitas diretamente do aramaico, do grego e do hebraico. Devemos estudar muito, mas, temos certeza de que a Umbanda, que é uma religião que possui muito poucos dogmas, terá a ajuda de seus guias e a sua doutrina aparecerá limpa, transparente, libertadora e, por fim, se afirmará.



[1] Não se trata de uma mera cópia ou da adoção de livros inteiros como representativos da filosofia umbandista, mas, sim, da produção de obras religiosas inspiradas pelo plano espiritual.

terça-feira, 26 de maio de 2020

A IMPORTÂNCIA DO RITUAL RELIGIOSO






A IMPORTÂNCIA DO RITUAL RELIGIOSO

Segunda parte

Devemos lembrar que para os trabalhos – feitiços, demandas – feitos para prejudicar, aqueles que o fazem não precisam ter contato físico com as pessoas a serem prejudicadas. Para desfazê-las, também a magia a ser empregada pela entidade, para ajudar àquele que pede a proteção, deverá também ser forte o suficiente para eliminá-los mesmo à distância, sem contato com quem fez aquilo.

Os rituais religiosos também são importantes para que vejamos que tudo na nossa vida tem uma ligação externa, que muitas vezes não percebemos. Numa sociedade onde as pessoas estão cada vez mais isoladas, onde prevalece o egoísmo, os rituais nos trazem um sentimento de pertencimento, de aconchego, de proximidade com algo que, além de nós, seres humanos, existe e que não sabemos o que é; alguém, alguma energia, que não sabemos quem é nem de onde vem; descobrimos que não temos uma compreensão plena de quem somos, do que é a vida, de onde ela vem e para que serve. Será a vida somente para batalharmos nossas vitórias materiais ou devemos buscar coisas mais sutis como a espiritualidade?

Na Umbanda, os rituais, até pela presença dos Orixás, como forças da natureza, nos mostram que somos parte de algo muito mais importante do que um ego ou mesmo um aglomerado humano. Percebemos, que nossa presença no mundo não nos foi dada para que fôssemos donos da natureza, mas parte dela. Pela presença das Almas, com quem nos comunicamos em nossos rituais, sentimos que somos mais do que a matéria visível e que a nossa parte mais importante é invisível, como o são as Almas que trabalham para o nosso bem na Umbanda. Enfim, começamos a perceber que no nosso dia a dia somos mais do que nossos rituais laicos nos mostram, que o sagrado está sempre presente em nossas vidas, não importando o lugar onde nos encontremos.

A prática dos rituais religiosos, nos abre a possibilidade de perceber que temos capacidade de nos ligarmos ao Alto, ao Universo, à Energia Divina. Estas palavras, Alto, Universo e Energia Divina, estão longe de representar, fielmente, Deus. A palavra teologia em si já traz em si uma certa prepotência do homem já que se a analisarmos, etimologicamente, significa estudo de Deus. Estamos acostumados a conhecer o homem sempre em relação a alguma coisa material ou à natureza. No entanto, Deus está acima de tudo isso. Podemos até falar sobre Ele, mas Ele está acima de qualquer coisa, da natureza e, por isso, não podemos estudá-lo. Deus é onipotente, onisciente, onipresente. Enquanto o homem se encontra em um patamar de finitude, Deus é Infinito. Como pode o finito compreender o infinito? Estamos muito acostumados a usar palavras como finito e infinito, máximo e mínimo, mas não pensamos o que elas representam de verdade. O máximo, por exemplo, o que é? Estamos acostumados a dizer: fiz o máximo para resolver isso ou aquilo; mas eu me esqueço que eu sou finito, imperfeito, então esse máximo é somente uma expressão coloquial. O verdadeiro sentido de máximo é o de plenitude, ou seja, algo ao qual, em nenhuma hipótese se pode acrescentar algo. O infinito, por sua vez, é algo transcendental, pois está fora da compreensão do homem, finito.  Um cardeal, teólogo e filósofo alemão, Nicolau de Cusa[1], ficou famoso pelo que se convencionou chamar de “teologia negativa”[2]. Essa teologia, em contraposição à teologia romana, ia na contramão do misticismo, que coloca o Deus antropomorfizado presente o suficiente para que os humanos falassem com ele. Ela se baseava no fato de que não podemos compreender ou conhecer Deus, pois Ele se encontra muito além da nossa inteligência, ele é incompreensível e supera totalmente a nossa razão.  Somente podemos perceber Deus se o aceitarmos como a causa universal de todas as coisas criadas.

Entretanto, ainda assim, não o conheceremos, mas poderemos nos contatar com a Energia que dele provém: a Energia Divina. Os rituais religiosos nos mostram que, na medida em que os praticamos e neles mergulhamos com a mente e o coração, podemos ser melhores do que somos. A espiritualidade nos modifica e nos infunde novos valores. Quando mergulhamos, a fundo nos nossos rituais religiosos, começamos a perceber o que eles, realmente, nos querem mostrar. Nosso caminho de evolução vai se tornando mais claro e mais fácil de ser trilhado, pois estamos fazendo algo que nos fala ao espírito, estamos seguindo a nossa fé, estamos cultuando a Energia que nos vivifica.




[1]Nicolau de Cusa[1]1401 d.C., Cusa - Alemanha - 1464 d.C., Úmbria - Itália ​
[2]A teologia negativa ou apofática tem o seu nome proveniente dos termos (apofatico – catafático) adotados de Aristóteles em sua lógica, indicando, respectivamente a negação e a afirmação no interior do enunciado do discurso. A teologia apofática é o modo de pensar Deus e falar-lhe através da negação: Deus está colocado além da criação e por isso, nenhuma definição pode ser dada adequadamente sobre a Divindade. www3.unisi.it/ricerca/prog/fil-med.../teologia_negativa.htm


terça-feira, 21 de abril de 2020

A QUARESMA NA UMBANDA





A QUARESMA NA UMBANDA

Nossa religião é cristã. No entanto, devemos separar com clareza o que faz parte dos ensinamentos de Cristo e o que é parte da Igreja Católica. Devemos separar, portanto, os ensinamentos cristãos dos ritos criados por outras religiões e Igrejas cristãs. Se nos perguntarem se Jesus é filho de Deus, diremos que sim, é claro. Todos somos filhos de Deus. A grande diferença entre a humanidade e Jesus é que ele evoluiu a um ponto que é colocado como o Cristo. Cristo significa na sua origem em grego o ungido, que seria aquele que foi escolhido para trazer as palavras de Deus. É o mesmo que Messias.
Como sabemos, todo verdadeiro sábio é um mestre, no sentido lato da palavra. Ele traz para o mundo e, em especial para sua comunidade, ensinamentos que ajudarão na evolução espiritual de dos irmãos que de alguma forma o seguem. Tivemos vários mestres no mundo e a própria Bíblia nos fala deles. Eram os chamados profetas.
Porém, com Jesus foi diferente de todos esses mestres, já que em sua última encarnação foi chamado de “o ungido”, ou seja, mais que um sábio, um ser que traria os ensinamentos que perdurariam no tempo e serviriam para nos conduzir no caminho da evolução, no caminho de Deus, independentemente do nível em que nos encontramos.
As pessoas costumam perguntar o que teria aprendido Jesus nesta encarnação. Uma passagem do Evangelho, o da mulher Cananéia - Mateus 15, 21-28 - que pede, aos gritos, que Jesus cure sua filha, mostra um Jesus arrogante nas suas respostas à mulher, duro e inflexível, dizendo-lhe - "Não é bom tirar o pão dos filhos e dá-los aos cachorrinhos". Os judeus tratavam os cananeus de cachorros. A mulher lhe responde –“Também os cachorrinhos comem das migalhas que caem das mesas dos seus donos".  Diante desta resposta, Jesus entende que tinha vindo no mundo para todos os povos e não somente para os judeus.  Com isso, Jesus muda sua posição, lhe diz que a fé da mulher a havia salvado e ajuda à filha dela. Neste momento Jesus se desgarrou de sua origem, e se tornou universal. O que ele aprendeu aqui? Humildade, já que para ele até aí somente havia um povo escolhido, o seu, o judeu. Em outra passagem ele manda seus apóstolos pregarem, mas recomenda, não entrem nas terras dos pagãos. Sempre que um espírito reencarna alguma coisa ele vai aprender. Não se volta à matéria sem um motivo.
Assim, o homem Jesus reencarnou, para sua última vida na matéria. Atingiu o ápice de seu crescimento espiritual e, por isso, tornou-se um filho especial de Deus. A humanidade toda chegará a este ponto de desenvolvimento espiritual, cada ser humano ao seu tempo.
Voltemos à quaresma. Esse período que hoje é de quarenta dias, já foi de três, de trinta e por fim chegou a quarenta. Por que chegou finalmente aos quarenta dias. O número quarenta tem uma presença muito significativa na Bíblia. O dilúvio decorreu por quarenta dias e quarenta noites; Moisés caminhou quarenta anos pelo deserto com o seu povo; Jesus se refugiou no deserto por quarenta dias, e vários outros eventos ocorreram nesse período. Por isso a Igreja Católica optou por este tempo.
A quaresma é um dos ritos que mais preocupam alguns chefes de Terreiro, no tocante a como se comportar. Para entender o que seria a quaresma para nós, devemos entender primeiro a chamada paixão de Cristo. Enquanto para os católicos este período é de sofrimento para Jesus, culminando em sua morte dolorosa, para nós, espiritualistas, ele é na verdade o auge do desenvolvimento espiritual do homem Jesus. Assim, sua morte na cruz, já planejada para esta sua última vida na carne, longe de ser motivo de tristeza, é motivo de contentamento. Aquele Espírito atingiu o mais alto nível de evolução possível para um ser humano. Aquele Espírito ficou face a face com a inesgotável fonte de energia divina.
Assim, para nós, umbandistas, o significado da quaresma não pode ser o mesmo, por dois motivos: o primeiro, é o fato de não ser um ritual nosso; o segundo é pela forma como encaramos a crucificação de Jesus.  Os terreiros não só podem, como devem abrir suas portas para fazer a caridade. Nada existe, do ponto de vista espiritual que diferencie esse período do resto do ano.
Mais ainda, se as vibrações de dor, pena e culpa que tomam conta de uma parcela da população facilitarem a presença de espíritos de baixa estatura espiritual, que seja, nossas entidades estão ali para trabalhar e ajudar não só nossos fiéis e filhos umbandistas, como também para aproveitar a oportunidade para resgatar alguns desses espírito e conduzi-los para a luz.






segunda-feira, 30 de março de 2020

O RITUAL Segunda parte

             

                       

O RITUAL
Segunda parte

Nas civilizações primitivas também existiam rituais. Citemos aqui os de passagem, quando o jovem aos olhos de sua tribo se tornava um homem; o do casamento, os funerários e outros. Não vamos entrar detalhadamente nesses rituais, pois, aqui, o que nos interessa é mostrar que não podemos ser contrários aos rituais, pois não somos intocáveis por eles, nossa vida é um grande ritual cheio de rituais menores.

Nas religiões não espiritualistas, o ritual tem como finalidade, em primeiro lugar, louvar a Deus – que embora único, cada religião acha que o seu é que é o verdadeiro e o cultua de forma diferente. Outro objetivo desses rituais religiosos são: ministrar sacramentos, que vão do batismo à extrema unção, celebrar casamentos, bodas de vários tipos, papel, madeira, prata, ouro, etc. Dentro desses rituais existem gestos, palavras, bênçãos, utilização de elementos materiais, tais como a água, a vela e outros que fazem parte da liturgia daquelas religiões.

Imaginemos, agora, que nenhum ritual houvesse, em momentos importantes para cada ser humano. A noiva não se casaria com pompa, não trajaria um vestido de noiva, não jogaria o buquê, não faria fotos como lembranças, não teria todos que gostam dela ali ao seu lado; imaginemos também que nenhum ritual houvesse para apresentar um recém-nascido em uma religião; ou que não houvesse uma reunião de formatura para entrega do certificado. O que aconteceria? Todos os esforços para chegar até aquele momento pareceriam vãos, sem sentido pois não haveria ninguém para compartilhar nosso sucesso ou nossa alegria. Imaginem que não houvesse uma extrema-unção e um ritual fúnebre, e simplesmente, atirássemos na natureza, em um rio, em uma mata, ou coisa parecida o corpo de um nosso ente querido. Será que assim fecharíamos em nossa vida, em nossas emoções e em nossa mente aquela perda? Claro que não.

Creio que esses exemplos são suficientes para demonstrar a importância do ritual para o homem como um ser coletivo. Os rituais servem ao conjunto de crenças, sentimentos, saberes e valores, que permeiam uma sociedade e são formas de fazer daquela sociedade, das quais ninguém está imune. Este conjunto de valores é aquilo que podemos chamar de consciência coletiva de uma sociedade, pois os seus participantes nascem, vivem e morrem, mas a consciência coletiva permanece, claro que com as mudanças propiciadas pelo tempo, mas permanece. É a herança que recebemos de nossos ancestrais.

I.            A importância do ritual religioso

O ritual religioso é uma sequência de atos e práticas ordenadas e padronizadas, podendo ser em silêncio ou não, com palavras que sempre são ditas acompanhadas de gestos e atividades, os quais são habituais e obrigatórios e que para a sua execução são utilizados objetos, recursos e conteúdo das mais diversas raízes. Existem, vinculados às religiões, aqueles que são de cunho verdadeiramente religioso e aqueles que são de cunho mágico. Um ritual religioso é, por exemplo, a Gira de Umbanda em si. O abrir, o desenrolar e o fechar a Gira, são momentos religiosos da Umbanda. Já o trabalho das Entidades, aquilo que é feito em benefício do fiel e que ele efetivamente recebe é algo mágico, milagroso, sobrenatural. A finalidade do ritual religioso em nossa religião é propiciar relação entre os espíritos encarnados com o plano espiritual e com a Energia Divina –Deus, Olorum ou Zambi. Ele é a chave que abre essa comunicação entre o plano físico e o astral.

Na Umbanda esses momentos mágicos acontecem desde a hora em que o médium ou o fiel entra na Casa, na Tenda. O coração se acalma, a mente se aquieta, o sentimento de aconchego prepondera e, na maioria das vezes, a calma e a tranquilidade são tão grandes que os fiéis e os médiuns, ao início do Evangelho estão bocejando, pelo relaxamento que sentem.

Um exemplo, de ritual mágico, muito comum, na Umbanda, é quando se faz um trabalho para abertura de caminhos de um filho ou fiel. Também quando as entidades intuem ou veem que um filho está sendo prejudicado por algum trabalho contra ele, elas podem fazer um outro para eliminar os malefícios que estão sendo causados àquele filho. Nesse caso, a magia é, quase sempre, feita usando elementos semelhantes aos que foram ou podem ter sido usados para embaralhar os caminhos daquela pessoa, caso tenha havido algum trabalho nesse sentido. Se a entidade vê que foi usado sangue, ele pede um sangue vegetal, que pode ser água de coco ou o sumo de frutas ou uma decocção de ervas ou o azeite de dendê ou a cachaça. Se foi usada carne, ela pode pedir polpa, pedaços ou frutas inteiras para o trabalho. Se ervas foram usadas para fechar os caminhos ela pode pedir ervas de descarrego, aberturas de caminhos ou para vencer demandas.

terça-feira, 17 de março de 2020

O RITUAL Primeira parte




             
I.                                                               O RITUAL 

 PARTE I

Muitos dos adeptos das diferentes religiões, inclusive da nossa, seguem seus rituais de forma mecânica, sem atentar para o que eles significam e das portas que podem abrir. Na Umbanda, por exemplo, o ritual de abertura de uma Gira tem como finalidade comunicar ao Plano Espiritual que os trabalhos vão se iniciar. É como uma chave que abre as portas do nosso plano para o Plano das Entidades.

Além disso, um ritual serve, no plano individual, como um canal que nos levará a aprimorar nossa própria prática de comunicação com o Plano Superior. A partir dele, podemos caminhar mais celeremente em nossa evolução espiritual, pois esse ritual nos introduz de maneira mais sólida nessa senda. A repetição dele, dia após dia, torna mais fácil a nossa experiência de ligação com o plano superior e, com isso, vai expandindo nossa mediunidade, a compreensão de nossa religião e da espiritualidade. Ordens religiosas e esotéricas diversas usam essas repetições ritualísticas, em seus templos, visando aumentar a ligação com o Plano Astral. Na nossa cultura, a grande maioria do povo tão acostumado com ir à missa, que nem sequer percebe que na sua essência ela não muda, assim como não mudam seus passos ritualísticos. A única coisa que chama a atenção de alguns católicos, quando chama, é que os paramentos do Padre mudam de cor, e eles, na verdade, nem sabem o porquê. Da mesma forma, na Umbanda, muitos filhos entram no Templo e ficam divagando sobre as coisas que ocorreram no dia e nem se dão conta do que está sendo feito. Quantas vezes vemos filhos de Terreiros fazendo perguntas que se ele tivesse um mínimo de concentração durante a Gira, ele não as faria por tão obvias as respostas para aqueles que estão atentos aos ritos.

Quando seguidos com perseverança e fé, os rituais abrem para nós diversas oportunidades de autoconhecimento e de elevação e nos trazem força e confiança para as batalhas que devemos vivenciar no dia a dia. O ritual, em si, é um caminho, não um objetivo, e, no âmbito de uma religião, eles podem nos fazer transcender e ampliar nossos conhecimentos e experiências. Porém, isso somente acontece se, o seguir o ritual, não for somente uma ação repetitiva e mecânica pois, se isso acontecer, o fiel não alcançará o sagrado.

O ritual, em qualquer religião, é conformado pelo culto religioso, pela cerimônia e pela liturgia. Embora cada um desses termos tenha significados e alcances diferentes, eles em si podem também ser chamados de rituais daquela religião. A liturgia é o conjunto dos elementos e práticas do culto religioso. Na Igreja Católica, na qual praticamente todas as famílias brasileiras têm suas raízes religiosas, são as missas, os paramentos, os sacramentos e seus objetos de culto, tais como as imagens de seus santos, o sacrário, enfim tudo aquilo que está intimamente ligado à sua crença.

Na Umbanda nosso ritual é formado pelas nossas Giras, pela forma como as conduzimos, pelas Iniciações que fazemos, pelos Sacramentos que ministramos, pelas roupas que usamos – que correspondem aos paramentos de outras Igrejas – pelos atabaques, quando o Terreiro os tem. Devemos ter sempre presente que a Umbanda não tem um ritual unificado e que cada Casa tem o seu. Um não é melhor nem pior que o outro, é somente diferente. Certa vez o Caboclo das Sete Encruzilhadas foi interpelado por pessoas, dentro da Tenda Nossa Senhora da Piedade, a respeito de Terreiros que estavam sendo formados sem sua autorização ou beneplácito. Ele respondeu com uma única e simples resposta: “A Umbanda não tem um Papa e se um dia tiver ela acabará”. Isso é de uma lógica e de uma clareza incontestável. Cada Terreiro tem suas Entidades, seus filhos, seus fiéis e, principalmente, seus Chefes terrenos, trazendo esses últimos aprendizados distintos uns dos outros.

Dentro da nossa liturgia, temos ainda nossos Pontos – riscados e cantados – nossas Toalhas, nossas Guias, nossas imagens de Oxalá, dos nossos Pretos Velhos, dos nossos Caboclos e, muitas vezes, imagens de Santos católicos sincretizados com os Orixás e daqueles que, na maioria das vezes, são da devoção dos chefes do terreiro.

Cada ritual possui seu significado próprio que não pode ser substituído por um outro qualquer, nem ser a cada gira um diferente do anterior, já que, como diz Ramatis[1], o ritual é a chave que a Umbanda usa para abrir a comunicação com o Plano Astral. Se não temos um ritual fixo como abriremos nossas comunicações, com dizer ao Plano Astral, “estamos aqui, vamos começar, nos assistam, nos protejam, manifestem-se.

Na Umbanda, quando cantamos um ponto, nós o cantamos em um momento certo, definido, com um objetivo. Ninguém vai cantar um ponto de Exu, sem que nem para quê, no meio de uma gira de saúde, ou um ponto de Oxalá no meio de uma gira de descarrego. Também, quando rezamos uma oração em uma cerimônia ou culto da Umbanda, ela é feita dentro de um ritual e com uma finalidade. Os passes, que as Entidades dão, também fazem parte do ritual de um Terreiro de Umbanda e cada um deles é um ritual em si, pois normalmente a entidade sempre o faz da mesma forma, com raríssimas e pequenas modificações. Neste último caso o ritual é da entidade, embora faça parte do da Umbanda. Assim, cada ritual tem um significado e um objetivo próprios.

Os rituais são extremamente importantes para todo homem. Querendo ou não nossa vida é cheia de rituais e nós todos – todos mesmo – temos nossas vidas demarcadas por vários rituais, religiosos ou não. Quando entramos na sala de uma pessoa, cumprimentamos e esperamos o convite para sentar. Isso é um ritual social. Se vamos a um banco e queremos sacar dinheiro, entramos na fila – normalmente ela existe – quando chegamos no caixa automáticos pegamos nosso cartão e lá introduzimos, etc. etc. etc. Este poderíamos chamar de um ritual socioeconômico. O simples levantar, pela manhã, é um ritual. Senão, vejamos. Acordamos, vamos ao banheiro, nos lavamos, escovamos os dentes, vestimos a roupa, vamos tomar café e por fim saímos para o trabalho. Com algumas exceções esse é o ritual geral da maioria das pessoas ao início do dia. O próprio Kardecismo tem o ritual de suas reuniões, embora digam que não aceitam ritual. Para iniciar a reunião entram todos em silêncio, cada um se dirige ao seu lugar, o presidente da mesa abre a reunião pedindo ou fazendo uma prece; se a reunião pretende receber mensagens os médiuns de psicografia se concentram e a partir daí começam a receber as comunicações dos espíritos, e assim por diante. Poderíamos ainda listar dezenas de rituais do nosso dia a dia, em nossa casa, em nosso trabalho, em nossas relações pessoais, em nossa vida.




[1] Ramatis – in Magia de Redenção

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O QUE É RELIGIÃO





O que é Religião

A palavra religião, no conceito mais comum, teria vindo da latina “religare” que significa religar, voltar a unir. No caso, ser religioso representaria uma busca de se religar à Energia Divina, a Deus. Outra versão seria que viria também do latim, da palavra “religio” que significa cultuar ou louvar a Deus. Finalmente, existe uma terceira versão que, também vinda do latim, mas da palavra “relegere” que significa reler e, por isso, foi relacionado à releitura permanente dos textos sagrados, visando compreender a verdadeira vontade de Deus para poder segui-la da forma mais perfeita ou exata possível. Embora diferentes, diríamos que essas definições são complementares, já que em uma religião buscamos nossa evolução e, consequentemente, ao fim desse processo a nossa ligação com Deus; buscamos também, através da religião cultuar o Deus que existe em nós, nossa centelha divina, o Deus dos nossos corações e de nossas consciências; e, finalmente, para que todo o anterior ocorra, nós, os cristãos, devemos sempre estar relendo o Evangelho de Cristo, para não agirmos contrariamente a ele.

Ao longo da história do homem as religiões desempenharam sempre um papel de destaque na evolução da civilização[1]. Desde a aurora do homem existem manifestações religiosas. As primeiras manifestações ocorreram no entorno do ano 100.000 a.C. Naquela época, ao providenciarem o sepultamento de seus mortos, enterravam com eles seus bens, ferramentas e outros objetos, pensando que esses mortos poderiam precisar deles na vida após a morte. Daquele período a única informação que nos chegou acerca de suas crenças foram esses resquícios de seus ritos fúnebres. Entre os anos 5.500 e 4.000 a.C. a civilização suméria fazia o culto à Deusa Mãe, conformando-se na primeira religião do homem. Nesse culto uma de uma variedade de divindades femininas e símbolos maternais de criatividade, nascimento, fertilidade, união sexual, nutrição e o ciclo de crescimento, que o homem ao longo de sua história cultuou, não havendo uma civilização, sequer, que se absteve de ter uma Deusa que simbolizasse tudo aquilo e, em especial a maternidade. Também no estudo da cultura mesopotâmica foram encontrados registros de um culto a uma Deusa Mãe O termo, foi aplicado, durante muitos e muitos séculos, a deusas, semideusas diversas. As evidências arqueológicas mostram isso desde os anos 5.500 a.C. até fins do século XIX e início do século XX d.C.  

No Egito, cerca de 3.000 a.C. aparece a sua mitologia que, na origem, era uma religião politeísta. A mitologia grega se desenvolve a partir século 800 a.C.

A mitologia romana aparece, em meados dos anos 700 a.C, depois da mitologia grega, na qual parece haver se baseado. Essas, eram todas, religiões politeístas. A primeira tentativa de fazer uma religião monoteísta foi do Faraó Egípcio Amenofis IV, posteriormente chamado Akhenaton, que declarou como único Aton, colocando-o acima dos deuses até então existentes. No entanto, isso não foi aceito pelos sacerdotes e a elite egípcia que, após a morte de Akhenaton, restauraram a antiga religião. Somente no século IV d.C. uma religião monoteísta – a Católica – se torna oficial de um Império, que à época dominava o mundo, o Império Romano.

Apesar de todas as diferenças que existem entre as diversas religiões, em especial na crença em um ou mais deuses, todas elas têm muita coisa em comum. Por exemplo, nenhuma religião é feita sobre um vazio de símbolos. Ou seja, todas elas possuem símbolos próprios que representam aquilo que aquela religião respeita e cultua. Usados em suas cerimônias e em seus rituais, eles levam seus seguidores, estejam onde estiverem, a reconhecer a presença de sua religião e por consequência relembrar que seu Deus, que na verdade é o Deus único, de todos, está sempre presente em todos os lugares.

Todos os símbolos e objetos de uma religião estão ligados aos seus ritos ou às suas divindades, sejam como objetos necessários à sua consecução, sejam como sujeitos desse rito, sejam como identificadores daqueles ou daquele que ali é venerado ou como pano de fundo da fé inspirada pela religião. A imagem de um santo pode fazer parte de uma cerimônia católica, como um elemento presente ao ritual, sem necessariamente participar ativamente dele; por exemplo, em uma missa ela pode estar no altar, mas não ser o centro das atenções e da devoção; ou pode também ser objeto de devoção e reverência em uma solenidade, por exemplo, católica, umbandistas ou candomblecista, quando se festejar o seu dia e nesse determinado momento se tornará foco central para o culto dos fiéis.

Em uma Tenda de Umbanda temos, normalmente, no Congá pelo menos as imagens de Oxalá, do Preto Velho e do Caboclo. Se estamos em uma gira de atendimento, a imagem de Oxalá é e será sempre o símbolo maior, mas as de Pretos Velhos e Caboclos, embora sejam símbolos importantes, serão acessórias para o ritual daquele momento. Se vamos homenagear a entidade, em uma festa dos Pretos Velhos por exemplo, a imagem vai para um lugar de destaque. Para a nossa religião, podemos citar como alguns dos seus objetos sagrados as Guias, a Pemba, a Toalha, a sineta, podendo existir outros de acordo com a forma e o rito de cada Casa. 

No Budismo Tibetano também podemos ver isso em relação a Buda, quando em determinadas solenidades, apesar de sua importância, quase divina, nessa religião, ele não é o foco do culto. Quando estão fazendo uma meditação, estão voltados para o seu eu; ou embora estejam em um Templo dedicado, por exemplo, a deusa Tara e apesar de que ela seja uma importante divindade do budismo tibetano, também ela não é o foco desse ritual de meditação. No entanto, o budista, em um ritual específico, pode cultuar essa deusa e entoar a ela mantras e orações, e, a ela, direcionar seus pedidos. Esses objetos de culto, portanto, desempenham papéis diferenciados nos diferentes momentos de uma religião, mas todos tem uma grande importância nos seus rituais.

Na medida em que realmente nos vinculamos a uma religião, sem fanatismo, mas com a certeza de termos encontrado nosso caminho, melhor nos sentiremos em participar de seus rituais e mais próximos de Deus nos perceberemos. Assim, estaremos reconectados ao que de mais misterioso tem a vida, a sua origem. Saberemos assim que não estamos sós e desligados do mundo, que tem algo


 maior do que nós que reina nos universos e que Ele também se encontra em nós e é Ele quem faz essa ligação entre todas as coisas e seres do universo. Também perceberemos que não só o que está fora de nós é maior e nós não O conhecemos, mas, também, que o que está dentro de nós é maior e nós também não O conhecemos. E é na busca desses conhecimentos que os rituais nos ajudam, porque nos revelam o externo e nos mergulham no interno.

A religião para o religioso é a expressão da sua fé. Nos tempos modernos, não podemos dizer que a religião induz à fé, como sempre foi em tempos passados, não só no passado recente como na antiguidade.  Apesar disso, para nossos ancestrais, aquilo em que acreditavam, era verdade. Hoje, no entanto, algumas religiões já levam seus seguidores a pensar, a ter uma fé raciocinada. Esta fé não aceita mais afirmações que contradizem o racional. Claro que alguns dogmas têm de ser aceitos, mas a partir daí o pensamento e o livre arbítrio devem predominar.

Alguns pensadores religiosos já começam inclusive a criticar a fé, por considerá-la irracional, querendo que a religião sobreviva apenas daquilo que for comprovado pela ciência ou pela lógica. Abaixo apresentamos um diálogo entre a fé e a ciência, mediado pela razão, publicado em 1859. Aqui citaremos apenas algumas passagens, mas no anexo, ao final deste livro, está todo o texto.

A FÉ - O que é que chamais de absurdos?[2]
A CIÊNCIA - Chamo de absurdos as proposições contrárias às minhas demonstrações, como, por exemplo, que três são um, que um Deus se fez homem, isto é, que o infinito se fez finito. Que o Eterno morreu, que Deus puniu seu filho inocente pelo pecado dos homens culpados...
A FÉ - Não digas mais nada. Externadas por ti, essas proposições são, de fato, absurdos. Por acaso sabes o que é o número em Deus, tu que não conheces Deus? És capaz de raciocinar sobre as operações do desconhecido? És capaz de entender os mistérios da caridade? .................................

A CIÊNCIA - Começo a te compreender, ou melhor, vejo que nunca te compreenderei. Nesse caso, continuemos separadas, nunca precisarei de ti.
A FÉ - Sou menos orgulhosa e reconheço que me podes ser útil. Talvez também sem mim estarias bem triste e bem desesperada, e não quero separar-me de ti, a menos que a razão o consinta.

A RAZÃO - Não façais isso. Sou necessária a ambas. E eu, que faria sem vós? Preciso saber e crer para ser justa. Mas nunca devo confundir o que sei com o que acredito. Saber não é mais acreditar, acreditar não é saber ainda .........................................
A FÉ - Pois bem! irmã ciência, o que dizeis disso?
A CIÊNCIA - Digo que estávamos separadas por um deplorável mal-entendido e que, doravante, podemos andar juntas. Mas a qual de seus símbolos me vais associar? Serei judia, católica, muçulmana ou protestante?
A FÉ - Continuarás sendo a ciência e serás universal.
A CIÊNCIA - Ou seja, católica, se bem compreendo. Mas o que devo pensar das diferentes religiões?
A FÉ - Julga-as por suas obras. Procure a caridade verdadeira e, quando a tiver encontrado, pergunta-lhe a que culto pertence.
.......................................................................................................................

A CIÊNCIA - Ó fé, perdoa-me então se não posso acreditar, mas sei agora por que és crente. Respeito tuas esperanças e partilho de teus desejos. Mas é pesquisando que eu encontro e é preciso que eu duvide para pesquisar.

A RAZÃO - Trabalha e procura, então, ó ciência, mas respeita os oráculos da fé. Quando tua dúvida deixar uma lacuna no ensinamento universal, permite à fé preenchê-la. Andai distintas uma da outra, mas apoiadas uma na outra, e nunca vos separeis.

Nesse diálogo, podemos ver a grande influência sobre Eliphas Levi da Igreja Católica, mas isso é natural já que estudou toda sua vida em colégios católicos, tendo sido ordenado diácono, em 1835, e somente não chegando a sacerdote por que se apaixonou e abandonou a carreira religiosa seis meses antes da ordenação sacerdotal.

No Evangelho segundo o Espiritismo, ao final da Obra, em uma nota explicativa colocou-se um texto atribuído a Kardec que está transcrito abaixo. Este texto é contemporâneo do de Eliphas Levi, meados do século XIX, e sua essência é idêntica ao que este escrito expõe. Em lugar da fé cega que anula a liberdade de pensar, ele diz: 

“Não há fé inquebrantável senão aquela que pode olhar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade. À fé é necessária uma base, e essa base é a inteligência perfeita daquilo que se deve crer; para crer não basta ver, é necessário, sobretudo, compreender. A fé cega não é mais deste século; ora, é precisamente o dogma da fé cega que faz hoje o maior número de incrédulos, porque ela quer se impor e exige a adição[3] de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio."[4] 

Podemos ver que a fé cega que alguns intelectuais hoje criticam, já não era aceita a cerca de 150 anos atrás e nem por isso a fé deixou de existir e de ser o sustentáculo de toda e qualquer religião. Nós, os Umbandistas, não devemos engrossar o caudal de pessoas que ainda seguem, cegamente, seus líderes religiosos que, na maioria das vezes, somente querem se aproveitar dos seus seguidores, dando as interpretações que lhes interessa ao texto bíblico. Um exemplo de interpretação distorcida é a utilização do dízimo por determinadas Igrejas, com o objetivo de enriquecer seus pastores. Outro exemplo, são os pretensos pais de santo ou pais de terreiro que enxovalham nossas religiões prometendo resolver todos os problemas, através de trabalhos que os incautos têm de pagar.

Apesar das críticas de intelectuais, que muitas vezes se declaram ateus, muito mais por terem medo de parecerem ridículos, frente aos seus pares, do que por convicção, devemos reconhecer que a fé finda com qualquer discussão quando atingimos um determinado nível de argumentação; ou seja, o debate se esgota pois se choca com aquilo que chamamos de matéria de fé, ou dogma, algo que por sua religião um dos contendores não abre mão e o outro, por seu ateísmo, ou por ter outra religião, não aceita, mas não consegue desmentir. Por exemplo, imaginem um umbandista e um crente discutindo a reencarnação. Seria impossível para ambos desfazer a matéria de fé do outro, pois qualquer um dos dois se quiser permanecer em sua religião teria que ter a posição que têm, o umbandista crendo na reencarnação e o crente não a aceitando de forma alguma. Se um deles mudar de opinião, pode até continuar frequentando sua Igreja, mas no tocante à filosofia, aos dogmas, estará deixando sua religião. Em nossa religião vemos muito isso. Pessoas chegam ao Terreiro, dizem que gostam, que se sentem bem na Umbanda, acreditam na reencarnação, têm fé nas entidades, mas se dizem católicas porque todo domingo vão à missa.



[1] Servirá de um bom embasamento para quem quiser se aprofundar a obra em quatro volumes, História das Religiões, da Editora Hedra, coordenada e escrita por vários pesquisadores e historiadores.
[2]A Chave dos Grandes Mistérios – Eliphas Levi - resumo da primeira parte em forma de diálogo - A FÉ, A CIÊNCIA, A RAZÃO

[3] Adição no texto tem o sentido de o raciocínio e o livre arbítrio se unam à fé sem questioná-la.
[4]Revista Espírita de 1868, pag.28 – Ed. Rio de Janeiro, 2005 – FEB

             

I.                                                  

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

HISTÓRIA DA UMBANDA 5




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                                 HISTÓRIA DA UMBANDA 5

A criação do CONDU

O Conselho Nacional Deliberativo de Umbanda, foi criado em 1967, no dia 12 de setembro, com a finalidade de congregar as Federações de Umbanda, existentes em todo o País. Reconheceu, em 1977, em acordo com a história da Umbanda, a nossa religião como tendo sua origem no Brasil e que ela foi anunciada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, em 1908.

Anteriormente a essa decisão, tendo em vista a diversidade de Terreiros, tanto de Candomblé como de Umbanda, que faziam parte das Federações de Umbanda nas diferentes unidades da federação brasileira, o CONDU evitava se posicionar. Àquela época – por uma necessidade incompreensível de fazer a Umbanda importante – criava-se uma série de falsas origens da Umbanda. Aliada a essa preocupação, havia também outras que eram:
·        a primeira tornar a Umbanda mais branca, porque a ideia que prevalecia era de que a origem da Umbanda era africana;
·        e a segunda era torna-la mais hermética e velada  e, para isso, uns diziam que ela havia nascido na Lemúria, hipotético continente perdido, localizado no Oceano Índico ou no Oceano Pacífico, e outros diziam ser da Atlântida uma lendária ilha ou continente cuja primeira menção conhecida remonta a Platão em suas obras Timeu e Crítias;
·        caminhando na mesma direção, algumas pessoas diziam que o Caboclo ao anunciar nossa religião, teria dito que ela chamaria Alabanda, outros que seria Aum-Bandã, todos com a finalidade de buscar uma capa de antiguidade à religião;
·        muitos utilizavam para denominar o Deus na Umbanda, nomes indianos, como Atma ou Atmã.

Atma foi copiado de uma das vertentes da filosofia hinduísta é a centelha que habita em nós. Isso quer dizer que, em cada um de nós e em todas as outras coisas do universo, está presente uma pequena fagulha de Deus, afirmativa que, com ligeiras diferenças, concordamos.

Na verdade, tudo isso fazia parte de um preconceito e da necessidade individual dos líderes desses movimentos, de superar um complexo de inferioridade com relação à nossa religião. Certa vez, conversando com um destes umbandistas, figura aliás respeitável pelo que fez no CONDU, ele nos disse que segundo o pensamento deles, precisávamos que a Umbanda subisse de categoria. Devemos lembrar que esse complexo ainda existe em muitos umbandistas, em especial em determinados Pais de Terreiro, que dizem que vão fazer cabeça no Candomblé para ficar mais fortes e com maior sabedoria.

Não existe essa possibilidade que alegam. Primeiro por que quem trabalha na Umbanda são os Guias, as Almas; segundo por que qualquer rito ou iniciação que alguém aprender no Candomblé nada tem a ver com a Umbanda e somente desvirtuará um Terreiro de Umbanda, não lhe acrescentando, nem ao Terreiro, qualquer força ou sabedoria; se alguma coisa referente ao ritual do Candomblé for colocada no ritual de Umbanda, ele estará deixando de fazer Umbanda, já que dentro de um ritual de Candomblé o que prevalece, embora existam atendimentos, são o jogo de búzios e as suas festas, feituras, obrigações e oferendas, enquanto na Umbanda o que faz com que se cumpra seu objetivo, são as reuniões de atendimento com as entidades.

Em 1958, Omolubá e Israel Cisneiros, que já conheciam a história da Umbanda, resolveram entrevistar Zélio Fernandino de Moraes, com a finalidade de homenageá-lo pelo cinquentenário da Umbanda. Essa entrevista foi publicada na revista Seleções de Umbanda, editada pelo próprio Omolubá, tendo sido a primeira publicação de nossa história em uma revista de Umbanda. Quase vinte anos após este fato, participando do CONDU, este batalhador umbandista, que foi o chefe da Roça Estrela Guia de Omolu das Almas, com a participação de Lília Ribeiro, jornalista e chefe da Tenda de Umbanda Luz Esperança e Fraternidade, de quem já falamos, e que foi a principal repórter do início da Umbanda – dando sequência ao trabalho de Leal de Souza – conseguiu vencer as resistências no CONDU e, em função do trabalho dos dois, foi reconhecida a origem da Umbanda no Brasil, através da mediunidade de Zélio Fernandino de Moraes, divulgando, em agosto de 1977, um  trabalho, sobre as verdadeiras origens da Umbanda falando da história de Zélio de Moraes.

A lei reconhecendo a Umbanda como Religião

Em 1941, foi realizado o “Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda” e nele foi apresentada uma tese pela Tenda S. Jerônimo, propondo a descriminalização da prática dos rituais de Umbanda.  O autor, Dr. Jayme Madruga, a par de um minucioso estudo de todas as constituições já colocadas em vigência no Brasil, buscou também em projetos como o da Constituição Farroupilha e nos códigos penais até então vigentes e no que haveria de vigorar após 01 de janeiro de l942. O caminho da Umbanda começava a ser aberto e caberia aos Umbandistas buscar acelerar o processo com declarações e resoluções partindo daquele congresso, em prol da descriminalização da prática da Umbanda.

Em 1944, vários umbandistas ilustres, entre eles vários militares, políticos, intelectuais e jornalistas, apresentam ao então Presidente Getúlio Vargas um documento intitulado “O Culto da Umbanda em Face da Lei” e, a partir daí, é conseguida, daquela autoridade, a descriminalização da Umbanda. Este fato, que foi extremamente positivo, trouxe, como subproduto, uma perda de identidade muito grande por parte de nossa religião, já que todos terreiros, das mais variadas tendências e outras seitas, incluíram em seus nomes a palavra Umbanda como forma de fugir à repressão policial. 

Como a nossa religião, nessa época, não tinha um rito claramente definido e nem a formação de sacerdotes ficou à mercê dessa deturpação; outro fato que fortaleceu essa descaracterização foi que, sendo um período de crescimento, não se buscava a qualidade dos Terreiros que se filiavam à Federação, ou à União que lhe sucedeu, ou ao CONDU através das Federações estaduais, sendo aceitas Tendas, Centros e Terreiros de outras origens, inclusive não cristãs, colocando todas sob o nome de Umbanda.

Afirmação Doutrinária e Religiosa

Como se sabe a história nunca se faz com rupturas drásticas entre um período e outro. Todas as mudanças são anunciadas ao longo do próprio período a ser substituído, por fatos, acontecimentos e conhecimentos, todos novos, e que começam a acorrer antes da nova era e ao longo dos primeiros tempos do período que se inicia.  Assim também aconteceu com a Umbanda.  Ao longo das décadas de 40, 50 60 e 70, vários autores começaram a buscar dar maior consistência doutrinária à Umbanda.  Porém, como todas as coisas ocorrem em seu devido tempo, quase todas as tentativas pecaram por buscar explicações para as origens e os princípios de Umbanda em eras passadas, continentes desaparecidos ou em línguas mortas; outro fato que levou a um fracionamento da Umbanda e às misturas a que fizemos menção anteriormente, foi a pretensão de cada autor, sacerdote, ou pai de terreiro, de criar sua própria religião, dando um cunho profundamente personalista aos seus terreiros. Na verdade, isso ocorre até hoje, n/os principais estados do Brasil.

Alguns dos precursores da Umbanda, cumpriram, no entanto, seu papel ao colocar cada vez mais clara a importância da Umbanda no Brasil, assim como sua verdadeira origem.  Em 1978, vem à luz o livro “Fundamentos de Umbanda - Revelação Religiosa”, de Israel Cisneiros e Omolubá, que vem colocar nos seus devidos lugares a/s questões da origem e da hierarquia na Umbanda. Embora não estejamos de acordo com tudo que ali é colocado e sabedor de que esse livro não é a palavra final sobre a hierarquia e os ritos de Umbanda, reconhecemos, no entanto, que ele é o primeiro que se aprofundou nesses temas para que os umbandistas pudessem meditar sobre eles. Naquele momento, que pode ser definido como o início desse período de afirmação, assume-se a Umbanda como religião brasileira e, como dissemos, através desse livro, começa o primeiro movimento consistente para dar a ela uma base ritualística e de sua hierarquia. Autores, que já haviam escrito sobre a Umbanda, mas sem ter esse como o foco principal, são muito conhecidos por outras obras, como, por exemplo, Cavalcanti Bandeira, José Fonseca, Emmanuel Zespo, Matta e Silva e muitos outros que, incontestavelmente, dão continuidade ao movimento de consolidação da filosofia e teologia de Umbanda. No entanto, em nenhum se encontra a criação de uma hierarquia, baseada na formação sacerdotal, fundamental para a manutenção das bases ritualísticas e conceituais.