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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

HISTÓRIA DA UMBANDA 1





HISTÓRIA DA UMBANDA   [1]

Primeira Parte

As religiões monoteístas raramente motivaram o ser humano a aproximar-se de Deus voluntariamente. Na maioria delas esta é uma entidade intocável, inalcançável. Quase todas as religiões monoteístas, senão todas, só falam desse Deus inatingível, enquanto a maioria da humanidade vive marginalizada, abandonada e, muitas vezes, até escravizada. Poderemos, nós os Umbandistas, superar essa dificuldade? Somente se reconhecermos que Deus não está longe do ser humano, mas como disse Jesus “o reino de Deus está entre vós. "O reino de Deus não vem com aparência exterior; nem dirão: Ei-lo aqui! ou Ei-lo ali! pois o reino de Deus está dentro de vós. (Lucas 17:20,21)" Somente se reconhecermos que dentro de cada um de nós existe a centelha divina, somente se consideramos que Deus é onipresente, que Ele está em tudo e em todos e não restrito a um local imaginário para onde somente vão alguns poucos escolhidos.

A Umbanda é uma religião brasileira, baseada nos ensinamentos de Cristo, na comunicação com os Espíritos de Luz e na incorporação de Almas em médiuns, com a finalidade de ajudar aos encarnados na sua busca de evolução, de auxiliá-los em seu equilíbrio neste nosso plano, além de oportunidade aos Espíritos que se manifestam de aqui fazerem uma tarefa dignificante, um trabalho para a caridade, o que também lhes ajudará em sua evolução. Apresentamos, a seguir, uma síntese de sua origem.

Em fins de 1908 uma família tradicional de Neves, hoje São Gonçalo, estado do Rio de Janeiro se via envolvida com um problema que não sabia como enfrentar. Zélio Fernandino de Moraes, um jovem familiar de 17 anos que se preparava para seguir carreira militar na Marinha Brasileira, foi tomado de uma paralisia que o prendia na cama[2], além de fazer com que, nos momentos em que se movimentava tomar posições e falar de forma diferente do seu habitual. Já tinham procurado vários médicos que depois de muito examinar o jovem diziam sempre não saber ou não entender o que estava acontecendo com ele. Sua mãe, como um último recurso o levou a uma senhora negra, benzedeira e médium, que recebia um Preto Velho de nome Tio Antônio. Esperava que recebendo um passe conseguiria a sua cura. A Entidade depois de atender o jovem e lhe dar o passe disse que ele melhoraria e receberia uma entidade de sua falange.

No dia 14 de novembro desse mesmo ano, a família foi surpreendida por uma ocorrência inexplicável. O jovem Zélio sentou-se na cama, e com uma voz que não era a dele, segundo testemunhas, falou: "Amanhã meu aparelho estará curado". No dia seguinte levantou-se normalmente e começou a andar, como se nada tivesse acontecido. A família, que já havia buscado ajuda para sua melhora, com vários médicos e religiosos, não soube explicar o que tinha ocorrido. Um amigo da família, sugeriu então, uma visita à Federação Espírita do Rio de Janeiro, situada em Niterói. Foram a uma reunião presidida por José de Souza, naquele mesmo dia, 15 de novembro de 1908. O dirigente dos trabalhos determinou que ele ocupasse um lugar à mesa, fato raro para aquela época, pois somente tomavam assento em uma mesa kardecista pessoas antigas nos Centros e já mais velhos. Zélio, posteriormente, narrou seu desconforto por estar no meio de pessoas tão conhecedoras do Kardecismo e muito mais velhas que ele.

Transcrevemos, abaixo parte de uma entrevista de Zélio de Moraes, a Lilia Ribeiro, jornalista e fundadora da Tenda de Umbanda Luz, Esperança e Fé.
“Zélio relembrou sua ida à Federação Espírita (de Niterói) em 15 de novembro de 1908:

- Eu estava paralítico, desenganado pelos médicos. Certo dia, para surpresa de minha família, sentei-me na cama e disse que no dia seguinte estaria curado. Isto foi no dia 14 de novembro de 1908. Eu tinha 17 anos. No dia seguinte, eu amanheci bom. Meus pais, que eram católicos, diante dessa cura inexplicável, resolveram que eu iria à Federação Espírita, em Niterói. O presidente era José de Souza. Foi ele mesmo quem me mandou ocupar um lugar na mesa, à sua direita”. A íntegra dessa entrevista está anexa ao final deste livro.

Quando o chefe dos trabalhos deu início à sessão, Zélio tomado por uma força, segundo ele estranha e que ele não conhecia, contrariando as normas que impediam o afastamento de qualquer membro da mesa, e as admoestações que lhe foram feitas, o jovem levantou-se e disse: "Aqui, está faltando uma flor!". Levantou-se, retirou-se da sala. Pouco depois, voltou trazendo uma rosa branca, que depositou no centro da mesa. Essa atitude insólita causou um início de tumulto.

Restabelecida a corrente começaram a se manifestar espíritos que se diziam negros escravos, índios, caboclos, em diversos médiuns. Esses espíritos foram convidados a se retirar pelo presidente dos trabalhos em virtude, dizia ele, de seu estado de atraso espiritual[3]. A insistência dos dirigentes da mesa, para que esses espíritos não perturbassem a sessão, levou a que Zélio, tomado de um espírito, que se dizia de um Caboclo, tomasse a palavra.

A entidade incorporada em Zélio questionava por que eles não poderiam ali trabalhar para ajudar aos encarnados. Uma médium da mesa, perguntou ao espírito que estava incorporado em Zélio:" Porque o irmão, fala nestes termos, pretendendo que esta mesa aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram, quando encarnados, são claramente atrasados? E, qual teu nome irmão?" A entidade respondeu que era um Caboclo e que para ele não fazia diferença um nome, mas que poderiam chamá-lo de Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque para ele não haveria caminhos fechados.

A Alma incorporada em Zélio acrescentou: "Se julgam atrasados esses espíritos dos pretos, índios, caboclos, devo dizer que amanhã estarei em casa desse aparelho para dar início a um culto onde esses negros e esses índios poderão dar a sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados”.

A médium insistiu: Por que você se diz um Caboclo, se vejo em você restos de uma veste sacerdotal? A entidade então lhe respondeu: O que você vê em mim, são restos de uma existência anterior. Fui padre e o meu nome era Gabriel Malagrida. Acusado de bruxaria fui sacrificado na fogueira da Inquisição em Lisboa, no ano de 1761, mas em minha última existência física Deus concedeu-me o privilégio de nascer como um caboclo brasileiro.

O vidente retrucou: Julga o irmão que alguém irá assistir a seu culto?  Perguntou com ironia. E o espírito disse: “Levarei daqui uma semente e dela nascerá uma frondosa árvore. Cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã terá início”. Perguntado que culto seria aquele, a entidade respondeu: será um culto em que todos serão bem-vindos e se chamará Umbanda.


[1] A História da Umbanda chegou até nós, sacerdotes da Casa Branca de Oxalá, através da Jornalista Lilia Ribeiro. Ela que foi a fundadora e chefe da Tenda de Umbanda Luz, Esperança e Fé até sua morte, forneceu-nos todas as fitas cassetes que ela havia gravado com Zélio e ainda vários escritos, dela e de outros chefes de Terreiro, sobre a origem da Umbanda. Nos fez uma única exigência, que somente as divulgaríamos após sua morte. Foi o que fizemos com a autorização da filha de Zélio, Zilméia de Moraes Lacerda. Na verdade, outros Pais de Terreiro já tinham tido esse conhecimento anteriormente, mas foi através do trabalho de Lília Ribeiro divulgado por Mãe Maria de Omolu da Casa Branca de Oxalá, na internet, que se tornou um conhecimento geral, ao alcance de todos, a origem que aqui narramos.
[2] Existem algumas versões diferentes sobre o mal que o acometia; esta que demos, no entanto, faz parte de uma fita gravada que temos onde o próprio Zélio narra esses acontecimentos e foi confirmada em entrevista que fizemos com suas filhas, Zélia e Zilméia.
[3]Fonte: Seleções da Umbanda, em 1975 – Revista editada por Omolubá