LIBERDADE RELIGIOSA
“Nós não reconhecemos diferenças nem distinções na
família humana: como brasileiros serão tratados por nós o chinês e o luso, o
egípcio e o haitiano, o adorador do sol e o de Maomé. Sejamos nós o primeiro
povo que apresente o quadro prático dessa paz divinal, dessa concórdia celeste,
que deve, um dia, ligar a todo o mundo e fazer de todos os homens uma só
família.”[1]
Introdução
O texto acima, de José Bonifácio, conhecido como
Patriarca da Independência do Brasil, demonstra que, desde aquela época, a
vontade prevalecente, pelo menos naqueles que foram os responsáveis pela
independência e pela formação do novo País, era de que o Brasil fosse um país
de tolerância, amor e fraternidade.
Como veremos, ao longo desta e das próximas
publicações, também esse é o sonho de nossa Umbanda. Quando o Caboclo da Sete
Encruzilhadas chegou pela primeira vez na mesa kardecista, da Aliança Espírita
do Rio de Janeiro, no dia 15 de novembro de 1908, ele e as entidades que com
ele chegaram não foram aceitas por se identificarem como Caboclos e Pretos
Velhos. Então ele anunciou que no dia seguinte, na casa de seu aparelho, seria
anunciada por ele uma nova Religião, onde todos espíritos, independente daquilo
que haviam sido em encarnações passadas ou da vestimenta com que se
apresentassem, poderiam se manifestar e trabalhar para a caridade. A nossa
semente, plantada naquela noite de 15 de novembro de 1908, em Niterói, foi a da
igualdade, da fraternidade entre irmãos, da caridade e do amor ao próximo. Ser,
hoje, filho de Umbanda é, antes de qualquer coisa, cumprir com todas as
determinações daquelas primeiras entidades, enviadas pelo plano espiritual, para
dar seguimento a um trabalho cristão, sem preconceitos de qualquer espécie. Ser
filho de Umbanda, hoje, é poder dizer, como disse Paulo, “Combati o bom combate, acabei a carreira,
guardei a fé”. Timóteo 2 4:7 Mas, o que é o bom combate na Umbanda? É a prática da caridade, é o amor
em ação, é estar disponível sempre para o trabalhos das entidades, é deixar de
lado as futilidades de uma sociedade sem Cristo, é respeitar as diferenças
entre as pessoas, sejam elas religiosas, de gênero, de classe social; é compreender
que não somos, nenhum de nós, melhores que os outros, mas tão somente
diferentes; é não querer usufruir de ganhos materiais com um trabalho que não é
seu, e sim das entidades; é respeitar a natureza, expressão máxima dos nossos
Orixás. Para isso, é necessário ser um bom combatente, mas também sábio
e amoroso, pois de nada valeria o filho umbandista que tivesse sabedoria, fosse
amoroso, mas não combatesse o bom combate ou que quisesse ser um bom
combatente, mas que discriminasse seus irmãos.
Liberdade Religiosa
“Seria negar a Deus os atributos de inteligência e
justiça admitirmos que o Criador fosse capaz de desprezar ou punir as suas
criaturas porque não o amam do mesmo modo, orando com as mesmas palavras,
seguindo os mesmos ritos. - Leal de Souza[2]
A fé religiosa é inerente ao ser humano e traz
consigo um grande poder de humanização. Várias experiências foram
feitas cientificamente que demonstraram, por exemplo, que a fé e a oração são
alguns dos elementos curadores mais importantes. Por outro lado, a fé, sem o
fanatismo dos fundamentalistas, faz com que as pessoas desenvolvam maior senso
de justiça, mais amor e mais tolerância. Já a oração com fé nos conecta com o
plano espiritual, levando nossas necessidades e dificuldades para que de lá
venham a intuição e a força para as superarmos. Em nossas vidas poucas são as
coisas que podemos definir como milagres. As Entidades, os Santos, o Cristo,
nos ajudam dando-nos força, intuição e persistência para superarmos os
obstáculos, mas não podem mudar nossas vidas. Somente uma pessoa pode mudar
nossas vidas, nós mesmos.
Se nos propomos falar sobre liberdade religiosa e
tolerância, é porque a liberdade está restringida em muitos lugares e a
intolerância existe como um problema para comunidades e etnias. Os homens
continuam preconceituosos, o que leva às guerras religiosas, em nome de Deus,
mas na verdade elas sempre foram fundamentadas em questões ideológicas, políticas
e econômicas. Hoje mesmo, falsamente, em nome de Deus ou em
convicções religiosas, se mata cruelmente e massivamente na Europa, na Síria,
no Iraque, na Turquia, em Israel, na Palestina, e em muitos outros países e
continentes. O terrorismo em nome de Deus continua matando, ferindo ou
expulsando inocentes no mundo inteiro. Assim, como faziam os Templários, com a
convicção de que era seu dever defender a verdade católica, como se ela fosse
algo superior à dignidade das pessoas que pensam diferente, hoje, os
intolerantes religiosos, agridem, ferem e matam aqueles que cultuam ao mesmo
Deus, só que de forma diferente. Na época dos Templários o que era importante
era encher o erário, o tesouro do rei da França e de sua casta religiosa. Isto
mesmo é feito hoje pelos fundamentalistas que servem muito a interesses
econômicos e à sede de poder de determinadas castas e elites. A ironia de tudo
isto é o fato de esses conflitos acontecerem com tanta virulência pois supõe-se
que as religiões devem centrar-se no desenvolvimento de valores espirituais
como o amor e o respeito aos irmãos, enfim, a todos os seres humanos e à
natureza.
Não nos esqueçamos que todos os textos sagrados,
inclusive o Evangelho de Cristo, apareceram em sociedades totalmente diferentes
das atuais, com estágios diferentes de desenvolvimento espiritual e com
diferentes níveis de conhecimento e cultura. Mas, mesmo assim, Jesus sempre
pregou o amor, a caridade e a tolerância. Desta, a tolerância, o exemplo maior
dado por Cristo foi o caso da mulher pega em adultério (João 8,1-11).
No que concerne à nossa religião, vemos que as
religiões mais antigas se consideram proprietárias de Cristo, e o que é pior,
nem as outras religiões e, muitas vezes, nem Igrejas da mesma confissão são
respeitadas, pois seus condutores falam que somente a “sua” Igreja é a certa.
Ou seja, nestes casos, a Igreja, o Templo, o Terreiro, não seriam para cultuar
Cristo, mas o pastor, o sacerdote, o pai de terreiro e outros que, pela sua
pretensa sabedoria e pela sua perfeição, já que assim se apresentam,
tornar-se-iam os supostos melhores mensageiros de Cristo.
SOBRE ESTE TEMA CONTINUAREMOS NA PRÓXIMA POSTAGEM.
[1]José Bonifácio, o Patriarca da Independência”, de Venâncio F. Neiva,
Irmãos Pongetti Editores, 305 pp., RJ, 1938, ver p. 278.