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terça-feira, 17 de março de 2020

O RITUAL Primeira parte




             
I.                                                               O RITUAL 

 PARTE I

Muitos dos adeptos das diferentes religiões, inclusive da nossa, seguem seus rituais de forma mecânica, sem atentar para o que eles significam e das portas que podem abrir. Na Umbanda, por exemplo, o ritual de abertura de uma Gira tem como finalidade comunicar ao Plano Espiritual que os trabalhos vão se iniciar. É como uma chave que abre as portas do nosso plano para o Plano das Entidades.

Além disso, um ritual serve, no plano individual, como um canal que nos levará a aprimorar nossa própria prática de comunicação com o Plano Superior. A partir dele, podemos caminhar mais celeremente em nossa evolução espiritual, pois esse ritual nos introduz de maneira mais sólida nessa senda. A repetição dele, dia após dia, torna mais fácil a nossa experiência de ligação com o plano superior e, com isso, vai expandindo nossa mediunidade, a compreensão de nossa religião e da espiritualidade. Ordens religiosas e esotéricas diversas usam essas repetições ritualísticas, em seus templos, visando aumentar a ligação com o Plano Astral. Na nossa cultura, a grande maioria do povo tão acostumado com ir à missa, que nem sequer percebe que na sua essência ela não muda, assim como não mudam seus passos ritualísticos. A única coisa que chama a atenção de alguns católicos, quando chama, é que os paramentos do Padre mudam de cor, e eles, na verdade, nem sabem o porquê. Da mesma forma, na Umbanda, muitos filhos entram no Templo e ficam divagando sobre as coisas que ocorreram no dia e nem se dão conta do que está sendo feito. Quantas vezes vemos filhos de Terreiros fazendo perguntas que se ele tivesse um mínimo de concentração durante a Gira, ele não as faria por tão obvias as respostas para aqueles que estão atentos aos ritos.

Quando seguidos com perseverança e fé, os rituais abrem para nós diversas oportunidades de autoconhecimento e de elevação e nos trazem força e confiança para as batalhas que devemos vivenciar no dia a dia. O ritual, em si, é um caminho, não um objetivo, e, no âmbito de uma religião, eles podem nos fazer transcender e ampliar nossos conhecimentos e experiências. Porém, isso somente acontece se, o seguir o ritual, não for somente uma ação repetitiva e mecânica pois, se isso acontecer, o fiel não alcançará o sagrado.

O ritual, em qualquer religião, é conformado pelo culto religioso, pela cerimônia e pela liturgia. Embora cada um desses termos tenha significados e alcances diferentes, eles em si podem também ser chamados de rituais daquela religião. A liturgia é o conjunto dos elementos e práticas do culto religioso. Na Igreja Católica, na qual praticamente todas as famílias brasileiras têm suas raízes religiosas, são as missas, os paramentos, os sacramentos e seus objetos de culto, tais como as imagens de seus santos, o sacrário, enfim tudo aquilo que está intimamente ligado à sua crença.

Na Umbanda nosso ritual é formado pelas nossas Giras, pela forma como as conduzimos, pelas Iniciações que fazemos, pelos Sacramentos que ministramos, pelas roupas que usamos – que correspondem aos paramentos de outras Igrejas – pelos atabaques, quando o Terreiro os tem. Devemos ter sempre presente que a Umbanda não tem um ritual unificado e que cada Casa tem o seu. Um não é melhor nem pior que o outro, é somente diferente. Certa vez o Caboclo das Sete Encruzilhadas foi interpelado por pessoas, dentro da Tenda Nossa Senhora da Piedade, a respeito de Terreiros que estavam sendo formados sem sua autorização ou beneplácito. Ele respondeu com uma única e simples resposta: “A Umbanda não tem um Papa e se um dia tiver ela acabará”. Isso é de uma lógica e de uma clareza incontestável. Cada Terreiro tem suas Entidades, seus filhos, seus fiéis e, principalmente, seus Chefes terrenos, trazendo esses últimos aprendizados distintos uns dos outros.

Dentro da nossa liturgia, temos ainda nossos Pontos – riscados e cantados – nossas Toalhas, nossas Guias, nossas imagens de Oxalá, dos nossos Pretos Velhos, dos nossos Caboclos e, muitas vezes, imagens de Santos católicos sincretizados com os Orixás e daqueles que, na maioria das vezes, são da devoção dos chefes do terreiro.

Cada ritual possui seu significado próprio que não pode ser substituído por um outro qualquer, nem ser a cada gira um diferente do anterior, já que, como diz Ramatis[1], o ritual é a chave que a Umbanda usa para abrir a comunicação com o Plano Astral. Se não temos um ritual fixo como abriremos nossas comunicações, com dizer ao Plano Astral, “estamos aqui, vamos começar, nos assistam, nos protejam, manifestem-se.

Na Umbanda, quando cantamos um ponto, nós o cantamos em um momento certo, definido, com um objetivo. Ninguém vai cantar um ponto de Exu, sem que nem para quê, no meio de uma gira de saúde, ou um ponto de Oxalá no meio de uma gira de descarrego. Também, quando rezamos uma oração em uma cerimônia ou culto da Umbanda, ela é feita dentro de um ritual e com uma finalidade. Os passes, que as Entidades dão, também fazem parte do ritual de um Terreiro de Umbanda e cada um deles é um ritual em si, pois normalmente a entidade sempre o faz da mesma forma, com raríssimas e pequenas modificações. Neste último caso o ritual é da entidade, embora faça parte do da Umbanda. Assim, cada ritual tem um significado e um objetivo próprios.

Os rituais são extremamente importantes para todo homem. Querendo ou não nossa vida é cheia de rituais e nós todos – todos mesmo – temos nossas vidas demarcadas por vários rituais, religiosos ou não. Quando entramos na sala de uma pessoa, cumprimentamos e esperamos o convite para sentar. Isso é um ritual social. Se vamos a um banco e queremos sacar dinheiro, entramos na fila – normalmente ela existe – quando chegamos no caixa automáticos pegamos nosso cartão e lá introduzimos, etc. etc. etc. Este poderíamos chamar de um ritual socioeconômico. O simples levantar, pela manhã, é um ritual. Senão, vejamos. Acordamos, vamos ao banheiro, nos lavamos, escovamos os dentes, vestimos a roupa, vamos tomar café e por fim saímos para o trabalho. Com algumas exceções esse é o ritual geral da maioria das pessoas ao início do dia. O próprio Kardecismo tem o ritual de suas reuniões, embora digam que não aceitam ritual. Para iniciar a reunião entram todos em silêncio, cada um se dirige ao seu lugar, o presidente da mesa abre a reunião pedindo ou fazendo uma prece; se a reunião pretende receber mensagens os médiuns de psicografia se concentram e a partir daí começam a receber as comunicações dos espíritos, e assim por diante. Poderíamos ainda listar dezenas de rituais do nosso dia a dia, em nossa casa, em nosso trabalho, em nossas relações pessoais, em nossa vida.




[1] Ramatis – in Magia de Redenção