I. HISTÓRIA DA UMBANDA 3
A Companhia de Jesus
A história do jesuíta Gabriel Malagrida se
mescla com a história de Portugal e da sua ordem religiosa, a Companhia de
Jesus, também conhecida como a ordem dos padres jesuítas. Por isso mesmo
devemos ter pelo menos uma ideia do que foi a Ordem dos Jesuítas e de sua
atuação no Brasil.
Foi fundada no século XVI, em 1534, em
Paris, por Inácio de Loyola, um nobre basco que, após ser ferido em uma batalha
contra os franceses, dedicou-se à leitura de livros de teologia católica
enquanto se recuperava. Durante esse período foi intuído para abandonar os bens
materiais e se dedicar à busca espiritual, esforçando-se para desapegar da
matéria. Depois, com seis outros estudantes da Universidade de Paris, fundou
essa ordem que foi reconhecida pelo Papa Paulo III, em 1540. Foi fundada com a
finalidade de trabalhar em benefício dos doentes e em missões para levar a fé
em Deus e em Cristo. Seu trabalho nas missões, fez com que essa ordem se
tornasse, ao longo dos séculos seguintes, um pilar da educação, em especial nas
colônias recém agregadas a Portugal e Espanha, especialmente no Brasil.
Com o primeiro
governador geral do Brasil, Tomé de Souza, em 1549 chegaram os primeiros jesuítas,
destacando-se posteriormente, entre eles, Manoel da Nóbrega e José de Anchieta.
Vinham com a finalidade de catequizar os indígenas. Naquela época havia uma
aliança tácita entre a Igreja e o estado português. Um acordo instituído entre
o Vaticano e o governo reservava ao Rei de Portugal o controle exclusivo da organização e
financiamento de todas as atividades religiosas nos domínios e nas terras
descobertas por portugueses. Através desse sistema, que se
chamava Padroado, permitia ao Rei construir igrejas, designar padres e bispos,
inclusive o Cardeal de Lisboa e após essa designação estes eram aprovados pelo
Papa. Com isso, Roma também dava total independência aos padres e às ordens que
trabalhavam como missionários nas colônias de Portugal. Essas missões, no
Brasil, sob a direção dos Jesuítas, eram administradas sem nenhuma
interferência do governo português. Durante mais de dois séculos essa aliança
entre o governo português e a Igreja funcionou perfeitamente, já que os
interesses de ambos estavam sendo atendidos, pois ao lado da catequização dos
indígenas, o que os tornava mais acessíveis aos portugueses, possibilitando aos
colonos e exploradores portugueses extraírem da nova colônia muitas riquezas, com
menor risco. Por outro lado, à Igreja, além da catequização, havia o interesse
desse trabalho porque as ordens nele envolvidas tornavam-se extremamente ricas.
Com isso, para os jesuítas também o acordo era vantajoso pois além da
doutrinação dos indígenas estes, reunidos em missões sob as ordens da Companhia
de Jesus, produziam também riquezas para aquela Companhia e com mão de obra a
custo zero. Isto a tornou a mais rica e poderosa Ordem, não só no Brasil como dentro
do Vaticano.
Em 1759, o Marques de Pombal expulsa a
Companhia de Jesus de todos as colônias portuguesas e da metrópole. Para que
tenhamos ideia da importância e do poder conseguido pela Ordem no Brasil,
reproduzimos aqui o que seriam as propriedades dela, segundo vários
historiadores, nas terras onde hoje se situam o Pará e o Maranhão. Neste último
estado existiam mais de 150 missionários jesuítas, duas escolas e um
seminário. A Ordem possuía mais de cem
mil cabeças de gado, fazendas de açúcar e outros produtos inclusive aqueles
originários da extração vegetal. Na área onde hoje se situa o estado do Piauí,
eram proprietários de patrimônio idêntico. Tudo isso era tocado com mão de obra
gratuita que eram os indígenas catequizados. Essa também foi uma das razões
pelas quais não interessava aos jesuítas a interferência do governo português
em suas colônias.
Várias medidas foram tomadas pela Coroa
Portuguesa para o enfraquecimento do poder dos jesuítas na colônia. Entre elas
podemos citar a libertação dos indígenas – inclusive permitindo o casamento de
homens portugueses com mulheres indígenas – a abolição do acordo do governo
português com o Vaticano, que dava a este o poder temporal sobre as aldeias
administradas pelos seus missionários, atingindo diretamente os jesuítas e ao seu
patrimônio no Brasil. Outras medidas também foram tomadas, todas elas eliminando
o poder da Igreja no Brasil.
A Igreja Católica, que tinha
muito poder junto ao Império português, graças, principalmente, a força alguns
de seus seguidores junto ao Rei e à Rainha de Portugal, foi afastada do poder com
a ascensão ao trono de D. José I, e o aumento da força política do Marquês de
Pombal. Os jesuítas caíram em desgraça no império português, já que não
aceitavam a ingerência da Coroa em suas atividades e acabaram sendo expulsos de
todas as colônias portuguesas.
O grande pomo da
discórdia entre Pombal e os jesuítas era que este, na tentativa de modernizar o
Estado, além de ter controle sobre a ação dos jesuítas, queria libertar os
indígenas, o que prejudicava à Ordem que, como vimos tinha grandes produções de
carne, leite e açúcar sem pagamento da mão de obra, já que esta era de
indígenas recolhidos às missões, sob a capa de dar-lhes proteção.
II.
O Jesuíta Gabriel
Malagrida
O que foi dito acima,
interessa diretamente à história da Umbanda, em razão de seu anunciador,
Caboclo das Sete Encruzilhadas, ter revelado que tivera uma encarnação anterior
como o jesuíta, Gabriel Malagrida, justamente no período de rompimento entre a
Coroa e a Ordem. Tanto que, Malagrida foi condenado à morte em 1761, em um
julgamento que foi classificado, por Voltaire, “como um excesso de absurdo
agravado com um excesso de horror”.
Gabriel Malagrida nascido em 1689, em
Menaggio, uma pequena comuna italiana da Lombardia, na província de Como, filho
do médico Giácomo Malagrida, começou seus estudos aos 12 anos em um colégio
religioso, na capital Como. Tendo resolvido dedicar-se à vida religiosa, após
concluir seus estudos, foi para Milão dar continuidade a eles com a finalidade
de, posteriormente, ser admitido como noviço na Companhia de Jesus. Isto
realmente se deu em 1711.
Assim, após completar seus estudos e ser
ordenado, foi designado como missionário no Brasil e encaminhado para Belém, no
estado do Pará, com a finalidade de aprender as línguas indígenas. Seu primeiro
contato foi com a tribo dos Caicazes, posteriormente catequizada por ele. Em
seguida, foi mandado para uma missão de evangelização dos indígenas Barbados,
que já haviam perpetrado dois massacres, anteriormente, contra jesuítas e,
também, contra indígenas já catequizados.
Também essa missão, de Malagrida, terminou
em um massacre onde morreram vinte Caicazes, dos já catequizados, e que faziam
parte da sua missão. Gabriel Malagrida, ferido gravemente, foi colocado em uma
canoa e abandonado, à deriva, no Rio Itapecuru Mirim. Foi salvo por alguns
Caicazes que o encontraram. Posteriormente, já recuperado dirigiu-se para o
sul, passando pela Capitania do Piauí, chegando à Bahia, fazendo sua pregação
onde chegava. De Salvador, foi a Pernambuco, Paraíba e em 1749, volta ao
Maranhão e ao Pará.
Após essas missões, voltou a Portugal com
o objetivo de pedir ao Rei que legalizasse as missões e colégios que havia
fundado. Chegando em Lisboa, em 1750, assistiu ao Rei D. João V, por ocasião de
sua morte. Voltou ao Brasil, em 1751, dirigindo-se ao Maranhão, onde permaneceu
por cerca de três anos. Foi chamado por D. Mariana, rainha viúva do rei João V,
com a finalidade de ser seu confessor.
Naquela época, ocorriam em Portugal as
chamadas reformas pombalinas visando a modernização de Portugal. O homem forte
do governo português, o Marquês de Pombal, não aceitava o padroado e com sua
pretensão de renovar o estado, a exemplo do que já havia ocorrido na Inglaterra
e em outros países da Europa, considerava as ordens missionárias, em especial
os jesuítas, obstáculos aos seus objetivos. Para agravar ainda mais essa
discordância, pois como era ele quem decidia tudo na corte e no governo, não
gostou da influência que Malagrida começou a ter junto à rainha, temendo que
através dela os jesuítas pudessem frustrar seus planos.
Em 1755, Lisboa é destruída por um
terremoto e Malagrida, então confessor da rainha, imputou o cataclismo aos
desígnios de Deus, culpando os habitantes de Lisboa, em geral, e à corte, em
especial, que, por seus costumes dissolutos, teriam levado a ocorrência de tal
castigo. Sobre essa catástrofe, redigiu um pequeno livro, do qual ofereceu
alguns exemplares a D. José I e ao Marquês de Pombal, sobre a moral, denominado
“Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto” reafirmando sua opinião de que a causa
teria sido a falta de moral e os costumes licenciosos da elite portuguesa.
Pombal, no entanto, não gostou das teses por ele expostas, já que as tomou como
questionamentos à sua autoridade e às decisões do Governo e o desterrou para
Setúbal. Ali entrou em contato com a família Távora, que era de oposição a
Pombal.
Logo em seguida, o ministro português
acusou os jesuítas de incitar revoltas contra ele. Como era ele quem, de fato,
governava Portugal, mandou que se extinguissem as missões dos jesuítas no
Brasil, expulsar seus membros, fechar seus colégios e confiscar suas
propriedades. Em 1758, Pombal acusou à família Távora e ao jesuíta Malagrida de
serem os mandantes de um suposto atentado contra o Rei D. José, mandando matar
praticamente toda a família Távora e ordenando a prisão de Malagrida.
Três anos depois de condenado à prisão,
aos 72 anos de idade, em função de seus sofrimentos, teria perdido sua sanidade
mental e, defendendo ainda com insistência suas crenças, alegava que anjos
falavam com ele, dentro de sua mente. Publicou vários textos com base nessas vozes
e, por eles, foi acusado de herege e condenado a morrer pelo garrote e depois
na fogueira, o que aconteceu em setembro de 1761.